sábado, 16 de fevereiro de 2013

Apologia ao amor

Fiquei chocado quando, na quarta feira de cinzas, vi uma foto no Facebook , tirada no carnaval de Diamantina, de uma faixa com os seguintes caracteres: “Foda-se o amor”. Imediatamente fui verificar o ibope daquilo e vi um número assombroso de pessoas “curtindo” e, em comentários, concordando com os dizeres da faixa. Eu pensei: “Que coisa doida!”. “Foda-se o amor”. Essa frase criou raízes no meu pensamento nesses dias, martelando na minha cabeça e confundindo o tico e o teco, que não tem se entendido muito bem e já não andam lá muito bons das pernas nesses últimos tempos.

Então, o que seria esse amor que essas pessoas estão mandando às favas? Não posso acreditar que estão dispensando o amor do gesto amigo, da palavra de consolo, do abraço forte e terno, do beijo no rosto ou do beijo apaixonado. Acaso estão eles a renegar o amor que enxuga as lágrimas, que oferece o ombro, que deixa a gente com saudade, que se entende com um olhar, que se entende com mil palavras, que dá aquele sorriso bonito e largo ou até aquele meio tímido e desajeitado justamente por possuir tanto fogo e ardor? Abdicam daquele que dá flor, que dá presente, que dá carta, que dá bilhete, que dá poesia, que dá cor? Não faz sentido descartar isso. Não faz. Eles renegam outro amor, ou outra parte desse mesmo amor.

Renato Russo, certa vez, disse que “se o amor é verdadeiro não existe sofrimento”. Poeta, letrista, brilhante. Mas este é um dos raros momentos em que discordo de alguma frase deste grande gênio da música brasileira: amor de verdade faz sofrer sim, faz a gente ficar triste, faz a gente chorar, faz a gente se desiludir, faz a gente não querer sair de casa, faz a gente não querer mais amar por algum tempo. É ferida que dói e se sente intensamente. Vinícius, o poeta, juntamente com seu violão, já dizia que o amor “é o espinho que não se vê em cada flor; é a vida quando chega sangrando aberta em pétalas de amor”. Suspeito que, quando escravo da alegria, Toquinho disse que o amor “me dá medo e vem me encorajar/ fatalmente me fará sofrer”. Cartola, de peito vazio, disfarçou e chorou por amor e disse que não se aprende a sofrer no amor, mas o sofrimento existe. Adoniran Barbosa deu bom dia à tristeza e pediu seu ombro para chorar, para chorar de tristeza de amar.

Essa gente triste que mandou o amor àquele lugar, mandou apenas uma parte do amor embora: a parte do amor que faz sofrer, do amor que faz a gente ficar triste e que faz a gente chorar. Ao pegarem a bela flor, assustam-se com o espinho que nela não se via e assim desistem de amar. Jogam fora a flor por causa do espinho antes invisível. Como não tem jeito de tirar só a parte ruim, jogam fora o amor por inteiro. O que fica é o amor de ilusão, o amor dos romances românticos, o amor que na verdade não é o amor inteiro e, por isso, não é amor. Tudo que deixa de ser inteiro, deixa de ser. Uma vez me disseram assim: “a gente tende a evitar o sofrimento, mas talvez eu tenha que sofrer mesmo não é?”. Concordei veementemente, apesar de meus gestos não terem expressado, naquela ocasião, o quanto aquilo me parecia importante. Ao afastarem a dor, o sofrimento, inevitavelmente afastam o amor.


O que eu vejo é gente que, de tanto querer ser amada, desistiu do amor. Querem o amor com tanta força, com tanta vontade, com tanta paixão, que se assustam com o espinho. Essa gente que diz “Foda-se o amor”, na verdade, são aqueles que mais querem amar. É a gente que muito quer o amor, carnavalesca e desesperadamente.