quarta-feira, 18 de setembro de 2013

O som do coração


Sonoros retumbes timpânicos. Batuque, batida e bedelho. Toldo circense erguido para que ficássemos protegidos do intenso sol. Ainda assim, calor. O chão duro para repouso sentado avisava quando a posição se delongava e, antes inquietos, os meus olhos se fixavam nela. Quando ela iniciou, chão duro e calor, nada disso incomodou mais. Era sonho, beleza, harmonia, inspiração, doação. Assim, as notas, batidas e batuques se integravam e compunham a atmosfera, fundindo-se à terra e aos corações dos ali presentes. Uma moça, aderindo ao sonoro convite do lugar, dançava sua música interior que vibrava em consonância com a música que educada e calorosamente preenchia o ambiente. Invasão delicada, permitida e ansiada. A criança, mais afeita às realidades intrínsecas do ser, com sua cálida tendência a aderir à sabedoria, à flor, à música e à poesia, não podia deixar de se maravilhar com a beleza e a verdade transmutadas em som. Essa criança, conectada à música e ao mesmo tempo consigo mesma, seguia, ainda timidamente, o sentido do seu coração: avançava em direção ao palco, vagarosa e lentamente, voltando-se vez ou outra para trás para ter a certeza de que a mãe ali permanecia enquanto ela seguia adiante. Justo, pois a condição para a pessoa se lançar no mundo é saber que alguém permanece para ela. A mãe gesticulava para que voltasse, mas sorria como quem dissesse “vai menina, vai!”; a menina, percebendo não haver impasse real entre mãe e música, entre correspondência e coração, subiu no palco e dançou e cantou e ouviu e se maravilhou. Os bracinhos e cachinhos balançavam no ar em perfeita sintonia com tudo o que existia. E ali, naquele preciso momento de música, de dança e de menina, momento de unidade entre ser, verdade e mundo, a banda tocou a sua música e desse modo a verdade se fez som. O som do coração, quando toca alto, tem a potente capacidade de ressoar em todo outro coração humano que, ainda que outro, ainda que alter, vibra na mesma frequência. Silenciosamente ou não, todos ali, convidados pela menina que da forma mais pura e verdadeira disse “sim” e aderiu à beleza que reconhecia com a própria sensibilidade, tiveram ocasião de reconhecer e verificar o ritmo da música do coração. Se eu fecho o olho, a menina ainda dança e o seu ritmo me convida a retomar a canção do interior. Do som da banda que tocava o coração, florescia a música, a dança e a menina. Em momentos assim a vida se afirma enquanto evidência máxima de si mesma. Diante de tal presente, gratidão.